Não atrapalhe a comemoração alheia

Uma coisa que me deixa genuinamente TRISTE quando é com os outros - e que eu aprendi a ignorar quando é comigo – é uma dinâmica infelizmente comum nas redes:

1️⃣ A pessoa vitoriosa compartilha alegria por ter feito ou conseguido algo

2️⃣ Uma pessoa sem noção responde querendo ditar um próximo alvo (“já sabe espanhol, agora já pode aprender mandarim!”) a quem ainda está comemorando um feito anterior

3️⃣ Um terceiro quer saber métricas pra avaliar (“que distância?” "quantas páginas?”)

Se você faz o item 2 ou o item 3, favor melhorar urgente.

O prefeito chamado Prefeito

Quando eu era criança, morei por alguns anos ao lado de uma cidade chamada Guaramirim, que na época tinha uma peculiaridade bem pitoresca: o prefeito de lá se chamava Prefeito.

Lembrei disso hoje e fui procurar registros, pra ver se não era delírio - e foi comprovado, era mesmo fato real.

Forçar consenso pra terceirizar a culpa: não trabalhamos

A pessoa em posição de liderança querer forçar um consenso favorável à uma intenção sua, com evidentes falhas e causando danos, é uma manobra covarde para terceirizar o risco, sem ter que abrir mão dos louros.

Se der certo, é porque ele deu a ideia – mas se der errado, a culpa é coletiva, porque todo mundo concordou.

Tenho orgulho como profissional porque, em situações tensas e extremas – décadas atrás, em outra carreira, e com gestor que felizmente já sumiu há muito do mapa, felizmente –, eu tive a capacidade de ser a voz do dissenso, que inviabilizou essa tática e levou a sepultar a ideia torta que queriam impor.

Quem quer errar, ao menos tenha coragem de se expor às consequências.

O mundo mudou, mas precisa atualizar as escalas de medição

Essa cobertura clássica que diz “cidade Tal enfrenta chuva de um mês em apenas um dia" já está datada e não comunica mais, já que virou frequente ter precipitação de 100mm em um dia, e que já ninguém acha inédito quando vê precipitações de 200mm e até de 300mm em apenas um dia – ontem no bairro da minha irmã foi mais de 240mm em 12 horas, completo caos. 

Comparar os desastres, cada vez mais frequentes, com a média construída nas situações normais ao longo de anos, mesmo que recentes, já não atende mais a propósito nenhum, exceto o de sustentar aquele discurso – também ultrapassado – de que se trata de uma situação completamente excepcional, que os responsáveis não poderiam ter previsto. A mudança climática é um fato presente, não precisa mais ser previsto.

Entre tantas outras coisas que essa mudança exige, nós precisamos atualizar também as nossas referências e nossos termos de comparação. Comparar um desastre com outros desastres, talvez – e verificar como os desastres tiveram impactos diferentes em regiões com ou sem estruturas de prevenção reforçadas em anos recentes, ou que permitem menos ou mais impermeabilização do solo, canalização de cursos d'água, etc.


Foto da enchente de 17 de janeiro de 2025 em Florianópolis, com pessoas ilhadas sobre um carro cercado de água na altura de seus capô, em uma rodovia cuja mureta represou a água e se transformou em um grande açude.

Nesse sentido, as chuvas que em menos de duas horas pararam a minha cidade na tarde de ontem seriam um bom termo de comparação, pois recentemente a cidade aprovou medidas que legalizaram formas de tornar o solo da cidade ainda mais impermeável que antes.

Ontem e hoje estamos tendo água acumulada em lugares que antes escoavam. Como dizer que não poderia ser previsto? Aconteceu a consequência do que foi aprovado e executado. Choveu a quantidade que hoje em dia chove, mas o escoamento foi planejado para cenários mais antiquados do que dizer que choveu mais do que em um mês.

Como fazer sua autoavaliação de forma fácil – e honesta

Preencher a autoavaliação é complicado para quem tem autocrítica apurada e também para quem não tem um bom termo de comparação para saber o quanto está indo bem em cada quesito.

Mesmo quando você entende o valor da autoavaliação, sabe para quê ela servirá e sabe o quanto está disposto a ser sincero no preenchimento, resta a dificuldade prática de definir o que preencher.

Uma maneira simples de preencher as avaliações, nessas condições, tem 3 passos:

  1. ver quais critérios serão avaliados, e colocá-los ordem - do seu melhor ao seu pior.
  2. na ausência de um critério estabelecido, escolher qual a nota mais baixa e a nota mais alta que você irá se dar, e aí distribui-las nos quesitos ordenados do passo anterior - ou seja, esse passo vira uma escolha de quais quesitos ganharão a máxima que você escolheu, quais ganharão a sua mínima, e se tem algum no meio.
  3. enquanto você faz o Passo 2, acabará lembrando de evidências de cada item - anote-as de forma resumida, porque elas viram o fundamento do seu texto complementar (se necessário) ou de alguma justificativa futura que seja solicitada.

    Fim!

Cuidado com a ilusão da figura interna de autoridade

Estou convencido de que a indecisão que outras pessoas me relatam, muitas vezes, não é por não saber o que se quer, por não saber o que é melhor, ou por não saber o que é o certo: a pessoa se imobiliza porque fica aguardando a aprovação de uma figura interna de autoridade.

É isso mesmo: a pessoa internaliza as expectativas da mãe, do chefe, de alguém que quer impressionar, etc., e aí busca, sem perceber, a aprovação interna dessa figura que só existe na sua fantasia.

É sinal de uma necessidade grande de perceber isso e se libertar da amarra interior.

O custo oculto de ter sangue frio durante as crises

Durante toda a minha vida, eu – mesmo ansioso – sempre exibi o superpoder de me manter calmo e controlado DURANTE emergências.

Eu me preocupo antes, travo depois, mas DURANTE eu sou aquela pedra de gelo, racional e presente, que inspira e acalma os outros

É útil e toda equipe quer contar com alguém assim, porque é um atributo raro e valioso nessas horas (melhor ainda seria não passar por crises, né?), mas só chegando aos 50 eu descobri que isso é mais um traço do meu TEA. Tem que ter lado bom!

(mas só é bom durante a crise – o custo emocional se acumula e vem depois, quando estou sozinho e com o problema superado)

Precisamos aprender com as pedras demarcadoras dos tsunamis japoneses

Agora que ultrapassamos oficialmente a calamitosa marca de 1,5ºC de aquecimento global, é hora de repensar onde reconstruíremos depois de enchentes cataclísmicas, incêndios florestais em pleno cenário urbano, e outras calamidades que se repetem em ciclos cada vez mais curtos.

Depois dos grandes desastres, a frase que atrai votos e apoio é: “vamos reconstruir tudo”. É uma boa frase, e uma boa ideia, mas quando são desastres de grandes proporções, sujeitos a se repetirem sem prévio aviso, seria ideal reconstruir, sim – mas em um local menos exposto.

NÃO reconstruir no mesmo lugar a cidade devastada pela natureza é uma lição que os japoneses aprenderam há séculos – eles sabem que tsunamis se repetem, e que a tendência é as gerações seguintes reconstruírem na área exposta, e por isso passaram a deixar marcos que resistem ao tempo.


Print do site Atlas Obscura mostrando uma das pedras de tsunami japonesas, em Aneyoshi, indicando o ponto mais alto em que um tsunami do passado alcançou, e advertindo para não voltar a construir abaixo dali.

Essas pedras demarcadoras registram o ponto que os tsunamis do passado alcançaram, com a advertência: lembre da calamidade, não construa abaixo deste ponto.

Precisamos imitá-los, e não temos mais o luxo de intervalos multigeracionais - nossos desastres já aceleraram, e vão acelerar mais ainda.

Abaixo a positividade tóxica

O que promove confiança não é te dizerem que você vai conseguir (mesmo quando sabem que você provavelmente não vai) – o nome disso é positividade, frequentemente positividade tóxica, e raramente ajuda alguém.

Aliás, a positividade tóxica é aquela mesma atitude de insistir em ver o copo meio cheio quando na verdade o copo já está quebrado, totalmente seco e até foi recolhido pela turma da segurança no trabalho.

Também é insistir na fala vazia sobre fazer uma limonada, quando a vida só deu limões podres pra pessoa, não deu açúcar nenhum, não deu nem copo, e ainda a proibiu de usar facas.

Tetesto – deu pra perceber, né?

O que promove confiança é te mostrarem ou criarem condições para que, mesmo se você não conseguir desta vez, tudo bem – ou pelo menos que você terá oportunidade de tentar de novo tendo aprendido alguma coisa e sem ser prejudicado.

Isso é raro e é algo a ser valorizado.

A atenção é mesmo o grande diferencial do século 21

Querido diário, eu fiz 51 anos, então você vai ter que me perdoar por já ter começado a ter opiniões sobre farmácias.

Após passar anos pandêmicos usando quase só a farmácia do posto de gasolina (pela literal conveniência de aproveitar a viagem para fazer mais coisas), ela começou a frequentemente me deixar na mão, e de nada vale a conveniência se eu sempre acabo tendo de ir a uma segunda farmácia logo depois.

Hoje era dia de repor os remédios de uso contínuo e, mesmo tendo abastecido o carro, eu não fui nela, e optei por ir diretamente na Rua das Três Farmácias – uma rua aqui perto que, curiosamente, tem 3 farmácias quase vizinhas.

A Rua das Três Farmácias é um pouco contra-mão pra mim. Literalmente, até, pois preciso ir adiante e depois fazer um retorno. Só que a conveniência de saber que é quase nula a chance de sair de lá sem algum remédio da minha lista compensa – se falta em uma, complemento nas outras duas.

Escolhas são renúncias, e com a Rua das Três Farmácias não seria diferente: eu preciso escolher em qual farmácia entrarei primeiro. A escolhida tem grande chance de ser a que me fornecerá todos, ou a maioria dos medicamentos que eu fui buscar, mas todas tem seus méritos:

  • a primeira é da mesma rede gaúcha da farmácia do posto, mas tem o estacionamento mais conveniente;
  • a do meio é de uma rede da minha cidade natal, e geralmente tem a maior variedade e suprimento;
  • a terceira é da rede nacional inimiga da privacidade, tem os melhores preços, e fica convenientemente localizada em frente a uma lanchonete com ótimos pasteis.

Quando estou em situação pastelífera, a terceira sempre ganha. Se está chovendo forte, o estacionamento da primeira fica especialmente convidativo. Mas nos demais dias, o embate sempre foi direto e franco entre elas, com chances para todas.

Só que hoje aconteceu algo que pode ter mudado definitivamente as minhas escolhas futuras: eu resolvi arbitrariamente parar na farmácia do meio, e o atendente não estava atrás do balcão, e sim perto da porta. Ele deve ter me reconhecido de visita anterior, pois logo perguntou: “trouxe aquela tua listinha?”.

É, querido diário, eu sou organizado, levo a listinha em papel. Entreguei a ele, que me disse: “pode aguardar aqui mesmo”, e assim fiquei junto ao caixa, na entrada na loja, sem ter que ir ao balcão, nos fundos.

Ele voltou do estoque trazendo tudo que eu precisava, em alguns casos com mais de uma alternativa (de marca ou genérico? pra 30 ou 60 dias? etc.), e nesses casos já me dizia qual a alternativa de menor custo por dose.

Ou seja: fez tudo que poderia ser esperado de um profissional. Parecia até aquele atendimento que hoje é tão raro, que meus pais e avós tinham na única farmácia em que iam ao longo da vida inteira, quando os atendentes trabalhavam lá por longos anos e conheciam os hábitos e preferências dos clientes.

Hoje o mercado de trabalho e a prestação de serviços não são mais assim – não é culpa dos atendentes. Mas aí que está: nesse caso específico, ficou bem perto disso. A atenção desse atendente certamente me fará voltar lá mais vezes.

Exceto, é claro, se eu estiver precisando de pastel.