O mundo mudou, mas precisa atualizar as escalas de medição

Essa cobertura clássica que diz “cidade Tal enfrenta chuva de um mês em apenas um dia" já está datada e não comunica mais, já que virou frequente ter precipitação de 100mm em um dia, e que já ninguém acha inédito quando vê precipitações de 200mm e até de 300mm em apenas um dia – ontem no bairro da minha irmã foi mais de 240mm em 12 horas, completo caos. 

Comparar os desastres, cada vez mais frequentes, com a média construída nas situações normais ao longo de anos, mesmo que recentes, já não atende mais a propósito nenhum, exceto o de sustentar aquele discurso – também ultrapassado – de que se trata de uma situação completamente excepcional, que os responsáveis não poderiam ter previsto. A mudança climática é um fato presente, não precisa mais ser previsto.

Entre tantas outras coisas que essa mudança exige, nós precisamos atualizar também as nossas referências e nossos termos de comparação. Comparar um desastre com outros desastres, talvez – e verificar como os desastres tiveram impactos diferentes em regiões com ou sem estruturas de prevenção reforçadas em anos recentes, ou que permitem menos ou mais impermeabilização do solo, canalização de cursos d'água, etc.


Foto da enchente de 17 de janeiro de 2025 em Florianópolis, com pessoas ilhadas sobre um carro cercado de água na altura de seus capô, em uma rodovia cuja mureta represou a água e se transformou em um grande açude.

Nesse sentido, as chuvas que em menos de duas horas pararam a minha cidade na tarde de ontem seriam um bom termo de comparação, pois recentemente a cidade aprovou medidas que legalizaram formas de tornar o solo da cidade ainda mais impermeável que antes.

Ontem e hoje estamos tendo água acumulada em lugares que antes escoavam. Como dizer que não poderia ser previsto? Aconteceu a consequência do que foi aprovado e executado. Choveu a quantidade que hoje em dia chove, mas o escoamento foi planejado para cenários mais antiquados do que dizer que choveu mais do que em um mês.